sábado, 13 de março de 2010

Um efeito dominó (OU a bicicleta fantasma)




Este post é triste.

Embora tudo em minha vida esteja muito feliz agora, venho falar de tristeza.
Por que eu me lembrei de algo muito, mas muito triste que aconteceu esta semana.
Quarta-feira andava eu de bike sozinha por Curitiba. Temos ciclovias, e é ótimo andar em relativa segurança em pleno rush. Mas na ciclovia também tem pedestre. No caminho das ciclovias tem ruas, semáforos, travessias, motoristas. Não dá para andar 100% seguro, despreocupado. E andar nas canaletas do onibus é proibido, mas é o único jeito. Porque andar na rua é muitas vezes fatal.
Eu já contei aqui sobre o estapafúrdio "protesto" dos motoristas machistas que me desrespeitaram. Infelizmente, o ciclista não é bem visto. Eu percebi que os pedestres saíam de perto de mim nas travessias, com medo de que eu batesse com a bike neles. Ou não davam passagem alguma, e me xingam quando ultrapasso eles, mesmo longe, muito longe de acertá-los. Sempre defendi que o pedestre é mais fraco, o carro é mais forte, e minha obrigação é defender o mais fraco e respeitar o mais forte.
Mas pior é o motorista imprudente.
É aquele que vê como ameaça. Eu estou ocupando um lugar na rua que é DELE. Mesmo que o código de trânsito diga para andar na rua, ele me manda andar na calçada, o que é proibido. Ele tira fininho da minha bike, achando divertido. Ele me empurra contra o meio-fio. Ele não me dá passagem, nem sinaliza quando vira, nem buzina para avisar que se aproxima. Eu sou o inimigo dele, mesmo de carro, a pé, de onibus ou de bike. Eu sou um maldito hippie revolucionário, que acredita que há lugar para bikes na sociedade.
Mal imagina ele que eu evito ocupar o lugar de alguém que realmente precisa no onibus, deixando-o mais confortável. Que diminuo a poluição e a fila de carros no congestionamento. Que diminuo os custos de manutenção da minha saúde pela rede pública. Que aproveito para deixar a pista livre de carros para ambulâncias, bombeiros e outros. Que não consumo combustível fóssil, o que barateia seu custo. Que ao não usar carro, estou pensando também nele.
Mas agora quero que você pense em mim e me diga:
Alguma vez você já fez ou viu alguém fazer algo contra um ciclista? Se viu ou fez, que você pensou? Você vê muitos ciclistas na rua? Você já tinha reparado neles?
Eu percebi como sou invisível quando, quarta-feira, tive que esperar, com mais alguns pedestres, durante 15 minutos, para atravessar a Avenida Paraná, próximo ao WallMart, no Cabral. 15 MINUTOS!!!! Juntou tantos pedestres e ciclistas que parecia protesto. Quando um motorista gente boa resolveu parar e dar passagem, um cara deu uma sonora buzinada nele, xingou todo mundo, quase atropelou uma senhora e só aí os demais pararam e deram passagem também.
Triste. Muito triste.
E bem nesta semana que Curitiba é sede de um fórum de discussão sobre "cidades inovadoras", onde nossa capital foi escolhida pelo transporte público, enquanto outras capitais européias foram escolhidas pelas políticas limpas de transporte, como a bike.
Eu tive vergonha. De morar em uma cidade que prometeu implementar ciclovias e não cumpriu. Do motorista imprudente que agiu daquela maneira. Do motorista de onibus da canaleta, que me xinga mesmo que eu esteja longe dele. Da minha atitude ao ser cúmplice de vezes em que alguém fez o mesmo que ele, e nada falei. De não enxergar os invisíveis da cidade, e não só ciclistas. O trabalhador que leva a carrocinha de cachorro-quente, a garota que volta a pé 5 km todo dia, o menino que usa skate porque não tem dinheiro para comprar bicicleta. Do trabalhador que anda de bike porque não tem dinheiro sequer para pagar o onibus!
Triste mesmo fiquei ao imaginar que, numa dessas, eu poderia ser atropelada e morrer.
Que vou morrer um dia eu sei, mas como seria triste morrer em cima de uma bike, ao que amo, porque um cara que não me conhece me odeia. Um cara que tem família, amigos, trabalhos, sonhos, como eu. Que se matasse não ia achar que a culpa é dele; afinal meu lugar é na calçada! ou em casa fazendo comida!
Que diriam meus amigos? Minha família se conformaria? Eu seria esquecida? Seria exemplo? Que forma seria isso um exemplo para nossos filhos? Para aquela criança que anda ainda de 3 rodinhas, sendo empurrada pelos pais no parque?
E me lembrei do que aconteceu com Márcia Prado.
Para quem não lembra, dia 14 de janeiro de 2009 uma ciclista foi atropelada na Avenida Paulista, por um motorista de onibus.

“O motorista Mario José de Oliveira, de 53 anos, trabalha desde 1981 e diz que nunca havia se envolvido em acidentes. Ele relatou à reportagem que ela estava no meio da faixa. Ele avançou na segunda faixa para ultrapassá-la. Quando ele retornava para a faixa da direita, ouviu o barulho e parou. - Tenho a consciência tranquila. Lamento muito a morte de uma pessoa, mas sei que não tive culpa – disse.”

Um motoqueiro que estava na calçada e foi testemunha do crime, disse que o motorista começou a ultrapassá-la e jogou o ônibus em cima antes de terminar a ultrapassagem,ela não teve tempo para nada. "Não foi um acidente, não foi uma fatalidade, foi um assassinato motivado pela imprudência e imperícia de um motorista de ônibus.”
Eu jamais teria a consciência tranquila se matasse alguém!
Hoj, Márcia Prado é nome de uma rota de cicloturismo de São Paulo. Símbolo de cicloativismo, por causa dela e muitos outros foi criada uma ciclovia na Avenida Paulista. Uma bicicleta branca, símbolo das Ghost Bikes, foi colocada no local. Este movimento mundial trabalha pelo trânsito mais seguro.
Como num efeito dominó, onde a primeira pedra empurra a outra, depois a outra, atitudes foram sendo tomadas. Mobilizações e campanhas de conscientização. Motoristas perceberam que não são inimigos nossos, ao contrário, adoramos motoristas legais! Pedestres perceberam que não somos psicopatas, somos gente que gosta de vida saudável e equilibrada!
E hoje eu derrubo a primeira pedra do meu efeito dominó. Em prol de uma vida civilizada.
Peço que pensem em mim no trânsito. Policiem seus pais, amigos, maridos, namorados, esposas, amigas, parentes. Desconhecidos também. Vigie a si mesmo., não ande alcoolizado Não esqueça o sinal, respeite o espaço entre carros, motos e bikes (1,5 m para veículos de duas rodas). Quando ver algo que está errado, lembre-se de mim. Eu posso ser a próxima vítima. Eu posso ser o nome da próxima rota, da outra ciclovia.
Termino com um belo texto de Marina F., do "Olhos Bem Nascidos":

Eu imagino um mundo sem carros.
Com ruas largas e bicicletas, muitas bicicletas. De todas as cores e formas. As pessoas usariam chapéu panamá andando de bicicleta. Crianças pra lá e pra cá, teriam bicicletinhas de luz. Madames com seus poodles e patrões ouvindo notícias no rádio andando de bike pelas vielas, subindo ladeiras quase sem ar, descendo a milhão, com aquela puta sensação de voar.
No mundo sem carros, o tempo seria outro. As pessoas a pé se olhariam. As pessoas de bike se olhariam. Entre o tempo de saída e o tempo de chegada existiria o tempo da caminhada, da pedalada. De olhar pro outro e pro lugar onde vivemos. De ver o céu, as árvores, as casas, as estrelas. O deslocamento seria algo essencial, de encontro, de respiro, de preparação, de passeio, de conhecimento. Chegar seria bem mais gostoso. No mundo sem carros, captaríamos muito mais o senso do coletivo. Sairíamos das nossas caixas individuais motorizadas e com ar-condicionado. Não dá pra negar: tá todo mundo aqui, vivendo neste mesmo caos. Transitamos nas mesmas ruas e avenidas. Carros, motos, ônibus, bikes, skates, pessoas a pé. Somos todos seres humanos por trás destas máquinas, temos a obrigação de encontrar alguma harmonia. Ou não?

Não precisamos abolir os carros. Apenas não devemos usá-los como arma!
Beijos e até breve!

2 comentários:

  1. Ô Paty, me identifiquei muito com este post, que inclusive faço o mesmo protesto pelas motos!!! Não tem um dia sequer que eu não tenha que "bater boca" com alguém de carro porque pensa que a rua é só deles... todo dia eu corro o risco de sofrer um acidente de moto, aliás, sempre falo q não existe acidente, o q existe é imprudência! Não posso deixar de mencionar que nós motoqueiros somos discriminados por causa daqueles tipo "mau-caráter" de entregador de pizza que parece q não tá nem ae se ele vai morrer (ou matar alguém). É por isso que toda a categoria de duas rodas acaba levando a culpa. Também ando triste com esta situação, pq já buzinei, já discuti, já desprezei, mas nada adianta... até pensei em trocar a moto pela bicicleta, mas dae é trocar 6 por meia dúzia, né! Acho que não adianta o povo ficar falando q tem q mudar as leis e coisa e tal, pq essa questão (e várias outras no mundo) só serão resolvidas o dia q as pessoas aprenderem a ter EDUCAÇÃO...

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  2. Primeiro de tudo, por favor continue viva ainda por muitos anos! :D
    Mas olhe, amiga, pioneiro é assim mesmo. Você está fazendo parte dessa vanguarda do movimento pró-bicicletas na América Latina. Hoje no Peru estão pedalando nus nas ruas como forma de protesto pra fazerem ciclovias, hehehe.
    Quem é pioneiro e vai na frente tem o trabalho de abrir o caminho, passar a faca nos galhos da trilha, e de vez em quando toma uns arranhões mesmo. Mas faz parte.
    Eu lembro de ter visto que este ano em São Paulo inauguraram umas ciclovias. Eu acho que a tendência é espalhar pelo Brasil.

    Aqui, Amsterdã é meio especial pra bicicletas, você sabe, hehehe. Os ciclistas são os reis do pedaço, primeiro porque somos muitos, segundo porque as ciclovias são MUITO boas, bem preparadas, e terceiro porque os carros sabem que em qualquer acidente eles é que pagam os danos. Então os motoristas é que ficam temerosos com o enxame de bicicletas lá e cá.

    Mas no Brasil tem muito a cultura do motorista metido, que não pára na faixa, etc. Isso aí leva anos pra mudar, mas pode mudar. Eu sempre que volto aí passei a ser o pedestre metido. Contanto que eu veja que o motorista está me vendo e que tenha faixa, eu atravesso mesmo. E se tiver mais gente, eu faço tipo um motim e incito a galera a passar, hehehe. Claro que fazer isso em pista rápida é imprudência, mas em ruas normais, eu boto fé que vai começando a fazer os motoristas entenderem que o pedestre tem prioridade.

    E viva as bicicletas!

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